sábado, 3 de dezembro de 2011

Ambição

Em Cabo Verde há sonho e ambição. Não se vive na resignação. Os Países não se constroem em estados de neurose e sem que os líderes mostrem os caminhos do futuro.
Não assisti à entrevista de Pedro Passos Coelho à Sic Notícias mas li referências elogiosas quanto ao realismo e à franqueza. Acredito que sim. A ambição de saída da crise tem de ser feita com base na verdade. Os Portugueses sentem necessidade desse rigor para poderem ter esperança fundada e não feita de ilusões.

5 comentários:

Hugo Correia disse...

Depois do 'choque' provocado pelo anúncio do Ministro Paulo Macedo, convém registar o caminho que o assunto "taxas moderadoras" teria seguido, já em 2004, se...

«Na reunião com o Ministro da Saúde, a 23 de Agosto, detive-me no programa contra a toxicodependência e passámos depois à questão do Serviço Nacional de Saúde e ao seu défice crónico... todos os anos cerca de mil e duzentos milhões de euros, num orçamento global superior a 7500 milhões de euros. Entre 1995 e 2001 a despesa do SNS passava de 3460 para 6540 milhões de euros. As dívidas às farmácias atingiam também um valor significativo, cerca de quinhentos milhões de euros, estando a ser pago o acordo feito pelo Governo anterior...
Em 2003 os medicamentos tinham aumentado 3,7%. Luís Filipe Pereira deu-me conta da execução do Plano de Estabilização e Crescimento na área do Serviço Nacional de Saúde, naquele ano de 2004, traduzindo um aumento da despesa com o pessoal de quase 4%, por causa das horas extraordinárias. Mas a despesa estava controlada, crescendo, quase sempre, abaixo da inflação. Um resultado notável conseguido pela capacidade do ministro e pelo esforço dos profissionais do sector.
O peso da despesa com o pessoal no SNS era de cerca de 30%. Dispúnhamos de 370 centros de saúde, 1800 extensões e 150 hospitais, em média cada um com dez serviços. Portanto, cerca de 3000 pontos de contacto, todos os dias. E as taxas moderadoras - aqui toco num ponto importante - representavam apenas 0,78% das receitas do SNS, menos de 1%. Por outro lado, os pagamentos das seguradoras eram de 300 milhões de euros. O resto da receita tinha mesmo de ser assegurada pelo Orçamento de Estado.

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Hugo Correia disse...

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[...]Ainda sem as horas em dia, parti dia 11 para Castelo de Vide, onde prometera estar no encerramento da Universidade de Verão da JSD. [...] Aproveitaria essa organização da JSD para falar da questão das taxas moderadoras na Saúde. «É inadmissível que quem tenha grandes rendimentos pague o mesmo que aqueles que vivem no limiar da pobreza. Haverá um cartão por cada tipo de rendimentos. Quem não tiver muitas posses não irá pagar a taxa moderadora. Esta é a nossa forma de fazer justiça social.» Bastariam dois dias para que os jornais pudessem anunciar «Oposição unida contra proposta de Santana» (A Capital, 13/9/2004); «Ministro da Saúde desconhece proposta de Santana sobre taxas» (Jornal de Negócios, 14/9/2004); «Sampaio visita hospitais entre polémica das taxas moderadoras» Jornal de Notícias, 14/9/2004). Passado um ano, ainda com o mesmo Presidente Sampaio, ouvi o Governo socialista anunciar um aumento das referidas taxas em mais de 100% sem que ninguém se indignasse. E, mais tarde, o ministro Correia de Campos falou em taxas de utilização a propósito dos internamentos, dizendo que quem pode mais, tem de contribuir mais? (11/10/2006). Como é possível? A mesma pessoa que nos criticou por taxas semelhantes? Pensemos só mais um pouco: se Sampaio não era verdadeiramente contra a medida - como o mostrou esse silêncio posterior -, o que levou a dizer o que disse? O PS estar sem líder? A verdade é que sentiu que tinha de falar...


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Hugo Correia disse...

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[...] Os economistas elogiavam a opção de apresentar um Orçamento Rectificativo e Jorge Sampaio, como disse, fazia declarações sobre a questão das taxas moderadoras. Estava a sair do edifício das Nações Unidas quando encontrei um jornalista de televisão que me confirmou, com uma pergunta, o que segundos antes tinha visto num take da Lusa que o assessor de imprensa me tinha entregue: o Chefe de Estado tinha criticado a intenção do Governo de criar taxas moderadoras.
É pouco correcta a crítica de um Presidente da República sobre matéria governativa quando o primeiro-ministro está fora do País, em representação de Portugal. Quase nada disse sobre essas declarações. «Sobre o assunto, Santana Lopes comentou ironicamente em Nova Iorque: 'Tenho a certeza de que, seja o que for que o Presidente disse, foi para contribuir para a estabilidade'» (CM, 22/9/2004).
Nunca criei um foco de tensão com o Presidente da República, e, ausentando-me do País, Jorge Sampaio fazia estas declarações? Fiquei desagradado sobretudo perante a gravidade do tema: nem mais nem menos que o financiamento do Serviço Nacional de Saúde! Tínhamos de encontrar uma solução para um problema real: o Estado não tem dinheiro e mantém o problema crónico do défice no Serviço Nacional de Saúde, acumulando a dívida escondida, ano após ano. Isso obriga, depois, a que essas verbas, sempre em falta, sejam levadas à dívida pública, assumindo finalmente a verdade da situação. Ora, se todos os anos falta dinheiro, se o Serviço Nacional de Saúde cada vez tem mais responsabilidades, mais exigências, necessita de mais pessoal, mais hospitais, mais despesa... como financiar tudo isto? A Saúde é um bem precioso, pelo que deve haver sempre financiamento para situações extremas. Agora, quando falamos dos chamados cuidados primários de saúde, há muitas situações em que se pode, e deve, distinguir níveis de rendimentos.


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Hugo Correia disse...

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Assumiria dois princípios de governação: o do «utilizador-pagador» e o de «quem mais pode, mais deve pagar». Não queria criar mais burocracias. Bastava que as pessoas declarassem qual o seu escalão de IRS para, em função disso, lhes ser aplicado o pagamento de uma ou de outra taxa. Se subisse 5% o peso nos recursos do SNS, já seria significativo.
Como mencionei, introduzira a questão das taxas moderadoras uma semana antes, no encerramento da Universidade de Verão, em Castelo de Vide, a 11 de Setembro. Nessa altura, um assessor de imprensa de Luís Filipe Pereira diria aos jornais que essa questão não tinha sido tratada entre mim e o ministro. Mas o propósito fora já assumido no Governo de Durão Barroso, e o princípio até já tinha sido tratado em Conselho de Ministros.
Devíamos estudar essa matéria e alterá-la. «É inaceitável que todos paguem a mesma taxa, independentemente dos rendimentos», disse o ministro. Luís Filipe Pereira lembrou-me as dúvidas que existiam sobre a funcionalidade do sistema, embora defendesse que era possível aplicar o princípio a alguns actos médicos simples. Noutros, não, como as intervenções cirúrgicas mais complexas.
O Presidente da República criticou a política do Governo neste sector, sendo estranho, repito, que mais tarde, quando Correia de Campos, ministro da Saúde do Governo socialista, anunciou aumentos nas taxas, Jorge Sampaio não tenha repetido os reparos. Pelo contrário: teve palavras de compreensão para a necessidade de encontrar soluções para o desequilíbrio das contas do Estado.
[...] O Estado-Providência não tem dinheiro para pagar tudo e tive pena que não tivesse havido um debate sobre a matéria. Mas, uma vez mais, a curiosidade pública sobre o assunto esgotava-se na questão da coincidência das palavras entre o primeiro-ministro e o ministro da Saúde.
O País não sabia que, todos os anos, a dívida acumulada ficava na gaveta, com recurso a operações de tesouraria. Tinha de enfrentar a situação e, como já disse, as medidas duras devem ser apresentadas de início, todas de forma seguida ou quase simultaneamente, para que depois se vá preparando terreno para poder ir distendendo o ambiente, torná-lo menos crispado, para se criar a confiança indispensável ao investimento e à criação de riqueza.
Longe em Nova Iorque, com todos aqueles compromissos diplomáticos, tinha os problemas da colocação dos professores; tinha o Presidente da República a criticar o Governo e o partido líder da Oposição a perguntar quanto é que tinha gasto no meu ginásio de casa(gastei, do meu bolso, cerca de 1250 euros).
Era a isto que tinha chegado a política portuguesa.»


Pedro Santana Lopes _ "Crise de 2004: Percepções e Realidade" (2006)

Hugo Correia disse...

Ainda a propósito do tema, exponho parte do seu artigo no jornal Sol do dia 5 de Fevereiro de 2010, com o sub-título "Tanto dinheiro perdido!"...

«[...] Agora, uma série de ‘génios’ aparece a falar da importância do endividamento e dos prejuízos terríveis que, a nível internacional, acarreta para Portugal. Mas, desde o início destes artigos, em Julho de 2008, que alerto para essa situação.

Por isso mesmo, em 2004, quando era chefe do Governo, expus várias vezes no Parlamento a irresponsabilidade dos encargos que estavam a assumir-se no âmbito do Plano Rodoviário Nacional, nomeadamente, mantendo o esquema financeiramente insustentável das SCUT.

Vi também, na passada semana, o ex-_-presidente da CIP, Francisco Van Zeller, dizer que não compreendia por que razão e quase não paga quando vai a um hospital público, tendo os rendimentos que tem. Lembro-me das vezes que disse isso, a partir de Setembro de 2004, a propósito da introdução de escalões diferenciados nas taxas moderadoras, em função dos rendimentos.

O tempo que o país tem perdido com o que é óbvio! E, desde essa altura, quantos milhares de milhões de euros já custou não termos seguido o caminho certo?»