domingo, 18 de novembro de 2007

Ana Thiemann-alguns dados

Sobre Ania Thiemann, Directora da Economist Inteligence Unit para Portugal, ficam aqui umas passagens de uma entrevista que concedeu ao Diário Económico

Entrevista a Ania Thiemann 2006/01/19





P-Portugal está a pagar agora o preço dos excessos cometidos no final dos anos 90?
Quais as perspectivas de crescimento para a economia portuguesa?


R-Temo que não seja muito optimista em relação ao crescimento. A minha estimativa para 2005 é 0,3% e já pode ser considerado optimista, tendo em conta as elevadas expectativas para o quarto trimestre. O crescimento poderá facilmente ser zero. Chegando a 2006 não há um grande ímpeto por trás do crescimento, por isso a previsão do Governo é demasiado optimista. Não vejo a economia portuguesa a crescer mais do que 0,7% em 2006. Teremos de esperar por 2008 antes de ver um crescimento superior a 2%. A razão é que existe um clima económico muito deprimido em Portugal. O endividamento é muito elevado, tanto das famílias como das empresas, e os juros começaram agora a aumentar na UE. E vão continuar a aumentar ao longo de 2006 e 2007.



P-Para que níveis?


R-Ainda é muito cedo para dizer, mas talvez 3,5% no final de 2007. Isto vai afectar muito fortemente as famílias dado o elevado nível de endividamento dos consumidores. No pior dos cenários, o consumo privado vai tornar-se negativo de forma significativa. As famílias nos próximos dois anos vão enfrentar uma situação muito difícil. A única coisa que vai promover o crescimento e isto é um se tão grande é o investimento. E este apenas surgirá se os empresários se tornarem mais optimistas e para tal a confiança é fundamental.Os governos estiveram demasiado concentrados no défice e não no crescimento


P-A forma como Portugal conduziu a política de finanças públicas foi a melhor?








R-Não. Portugal fez erros horríveis no final dos anos 90. O que está a acontecer agora é que Portugal está a pagar o preço dos excessos cometidos nessa altura. Quando as taxas de juro começaram a descer e a liquidez inundou o país, as pessoas começaram a gastar como loucas. E numa situação destas, o Governo deveria ter pago dívida pública e consolidado as finanças públicas. Em vez disso, o problema é que temos, em Portugal, uma política orçamental pró-cíclica. O Governo de coligação PSD/PP fez alguns grandes erros ao não lidar com o problema. Usaram medidas extraordinárias para trazer artificialmente o défice para baixo dos 3%, mas não se concentraram verdadeiramente onde estão as despesas. O Governo deveria ter deixado que os estabilizadores automáticos funcionassem. Mas não deixou...Tudo correu muito bem até termos o grande abrandamento em 2000/2001 quando o país se apercebeu que o défice orçamental era 4,4%. Desde então, Portugal perdeu dois anos. É-me absolutamente claro que . E esses dois problemas prosseguiram no Governo socialista, que está no caminho certo ao tentar cortar a despesa corrente. Mas para o fazer de uma forma muito eficiente é necessário lidar com a questão da Segurança Social. São coisas muito difíceis de fazer quando o país não tem crescimento. Mas é o caminho a seguir. Além disso, não creio que estejam demasiado focalizados nas finanças públicas. Antes pelo contrário, no passado foi dada muito pouca atenção. Não há dúvida que, olhando para os próximos cinco anos, ou a situação orçamental está consolidada, ou Portugal vai continuar a sofrer dos mesmos problemas.









P-Há o risco das agências de ?rating? reverem em baixa a nota do risco país?



R-A credibilidade do Governo é chave. Se as agências de rating virem que o Governo está a atingir os seus objectivos ano após ano, com o Orçamento a limitar as despesas, então provavelmente será possível manter esse risco afastado.





P-Para levar a cabo todas estas reformas é necessário um Governo politicamente forte. Temos as condições necessárias para que o Governo se mantenha especialmente tendo em conta as presidenciais?


R-Não creio que seja um grande problema se Cavaco Silva vencer as eleições, porque se há uma área na qual Sócrates e Cavaco Silva concordam é na necessidade de reformas estruturais. Estaria muito mais preocupada se Soares fosse eleito. Soares é um político muito respeitado, é o fundador da democracia política. Agora não é o momento de aumentar os benefícios para os desempregados e ter uma política socialista tradicional. Agora é tempo de levar a cabo reformas estruturais muito profundas, primeiro no sector público depois no mercado de trabalho. É claro que se tivermos um Presidente como Soares duvido muito que Portugal consiga levar por diante este tipo de reformas. Por isso, estou bastante optimista se for Cavaco Silva a ganhar as eleições, porque Cavaco e Sócrates partilham uma visão da economia portuguesa.











P-Mas Cavaco está a perder terreno nas sondagens e uma segunda volta parece mais uma possibilidade. Se Soares fosse eleito presidente assumiria uma atitude paternalista para com Sócrates dizendo-lhe o que fazer?

R-Creio que iria tentar.Mais do que Cavaco que é acusado de ser uma pessoa de perfil mais executivo do que presidencial?No fundo é uma questão de personalidades. Não creio que Sócrates seja seja facilmente mandado. Ele surpreende-me por ser uma pessoa com imensa energia e muitos objectivos. Voltando à questão: creio que este é o Executivo certo para Portugal, neste momento. No passado, o problema dos Governos portugueses é que olharam demasiado para as sondagens. Entraram em campanha eleitoral anos antes das eleições e tentaram agradar a toda gente. Não se pode agradar todos. É tão simples como isso e creio que Sócrates esta mais interessado em fazer coisas boas para Portugal do que ser eleito novamente.





P-Pensa que no final do mandato Sócrates vai ser reeleito?

R-Se mantiverem o presente rumo creio que têm uma boa hipótese.


P-E não antevê problemas sociais dada a dureza das reformas?

R-No Outono tínhamos os juízes, os professores, os enfermeiros na rua. Mas fora do sector público creio que as pessoas acreditam que isto é necessário. Há uma espécie de aceitação do que é necessário e creio que as pessoas não estão muito interessadas em ver uma mudança de Governo.É NECESSÁRIO DEIXAR DE OLHAR PARA O ESTADO À ESPERA DA SOLUÇÃO FÁCIL



P-As exportações portuguesas têm falta de competitividade?






R-Não há quase crescimento das exportações. Para 2006 prevejo 3,7% de crescimento ? que é demasiado optimista ? o que é inferior às previsões do Governo e apenas acontecerá se as economias europeias começarem a crescer mais depressa. As exportações portuguesas têm falta de competitividade. Portugal não pode concorrer ao nível dos salários, da educação, das qualificações da força laboral e não pode concorrer ao nível do input tecnológico das exportações. Portugal tem vindo a perder quota de mercado. A força de trabalho portuguesa é demasiado cara. Se fosse um investidor estrangeiro compararia Portugal com a Hungria ou a República Checa onde toda a gente fala inglês, tem formação universitária, são fáceis de ensinar e conseguem lidar com qualquer ?input? tecnológico. Em Portugal não. Lamento. Para a mesma quantidade de dólares investidos vou ter um retorno mais elevado nos países da Europa de Leste.


P-Mas empresas como a Autoeuropa ou a Siemens congratulam-se com o facto de estas fábricas competirem taco a taco com as melhores europeias. Quer isto dizer que temos mais um problema de imagem do que um problema real de competitividade?






R-Portugal definitivamente não tem uma boa imagem. Os exemplos que me dá são excelentes, pois são fábricas detidas por estrangeiros, logo a gestão é estrangeira. O problema em Portugal é uma gestão inadequada. Ainda é gerido como pequenos negócios. Não estou a falar de tendências ou modas na gestão. É simplesmente uma questão de ter uma gestão sólida e isso ainda falta em Portugal. Tudo isto são problemas de cultura e de educação.



P-O Plano Tecnológico é a solução?


R-É um passo na direcção certa, mas não é suficiente. Para transformar o Plano Tecnológico num choque são necessários meios melhores e uma maior focalização em ensinar qualificações informáticas, o que é muito caro.

P-O que mais se poderia fazer?





R-O problema em Portugal é olhar para o Estado à espera que apresente as soluções. É necessário deixar de olhar para o Estado à espera da solução fácil. Ela tem de vir das empresas privadas e, em Portugal há uma certa falta de assumir riscos. É preciso ir mais além da pequena escala. É necessária mais ajuda para as empresas, para as start-up, capital de risco, acesso a capital para pequenas empresas, reduzir a burocracia. O Governo já começou, mas é necessário mais.Os portugueses pensam pequeno é uma acusação frequente, mas quando investimos no estrangeiro há múltiplos casos de sucesso. Como se explica esta mudança de desempenho?Há obstáculos culturais dentro da sociedade portuguesa para promover o crescimento. As pessoas que fizeram a revolução e criaram o início da sociedade democrática portuguesa, em grande medida, controlam as grandes empresas e a gestão. Isso cria uma espécie de sentimento de quão longe é possível ir em Portugal. Porque as coisas ainda funcionam muito na base de conhecimentos. Muitos negócios são levados a cabo desta forma. Quando os portugueses vão para o estrangeiro não têm estes obstáculos. O seu objectivo é gerar crescimento e não têm de pensar no que as outras pessoas vão dizer, se o ministro das Finanças vai detê-lo.A REDUÇÃO DA FUNÇÃO PÚBLICA ESTÁ FORA DE PRAZOSendo a Segurança Social um dos problemas, Portugal deveria avançar com um plafonamento?Provavelmente o problema reside na forma como os benefícios são distribuídos. É possível encorajar alguma poupança privada. Mas há pessoas que não podem pagar este tipo de seguros privados de saúde, ou de reforma, que funcionariam com uma contribuição do Estado de 50% ou 70% para as despesas e o resto seria coberto por seguros privados. Estas são questões controversas e muito difíceis de lidar quando a economia não está a crescer muito. O que seria bom é que o Governo pegasse nalgumas pessoas e trabalhasse num plano de pensões e de benefícios da Segurança Social, com o objectivo de que é preciso de propostas concretas para reformar a Segurança Social, tornando o Estado de Previdência português sustentável. Não é impossível, mas é necessário retirar a questão do debate mediático. Essa é a chave.


P-A idade da reforma deveria ser aumentada ainda mais?

R-Como está presentemente é justo. Em toda a Europa, está a acontecer o mesmo, porque as pessoas vivem mais tempo e recorrerem mais ao sistema de saúde.

P-O downsizing da Administração Pública está fora de prazo?

R- Já deveria ter sido feito.Mais rapidamente.

P-Ou as consequências sociais impedem-no?




R-Não creio que o possam fazer mais depressa. Está a decorrer a auditoria aos ministérios. É muito positivo e a minha grande esperança é que, seja qual for a conclusão, seja seguida, mesmo se disserem que têm de despedir mil ou cinco mil pessoas, ou reestruturar completamente os serviços.











P-E o mercado laboral português é realmente demasiado rígido?


R-No passado o mercado de trabalho português teve a capacidade de absorver as mudanças porque, mesmo que legalmente não seja possível despedir, os salários eram bastante flexíveis. Já não é assim.




P-A solução é um novo Código de Trabalho?

R-Não são necessários 700 novos artigos. Isto foi um embuste. Tivemos 700 novos artigos mas não aconteceu nada. E assim voltamos ao problema cultural. Isto é algo impossível de fazer dada a revolução socialista e à Constituição. Creio que este será o maior obstáculo para fazer de Portugal um país muito dinâmico.


Perfil: A economista da EIU que fala português. Ania Thiemann integra a equipa de analistas da EIU para as economias da Europa ocidental, acompanhando de perto Portugal, Dinamarca e Noruega. É também especialista em política francesa, integração europeia, política orçamental e mercado de trabalho. Já trabalho nos recursos humanos da Danone, de onde transitou para o grupo The Economist. É formada em Economia pela London School of Economics e em Relações Internacionais pela Sorbonne. Actualmente está numa pós-graduação em matemática aplicada à economia na Universidade de Londres. É fluente em inglês, francês, dinamarquês, norueguês e português.Ania Thiemann, analista para Portugal da The Economist Intelligence Unit

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